sexta-feira, 30 de março de 2018

"APARIÇÃO", VERGÍLIO FERREIRA - AS PERSONAGENS




As Personagens

Alberto Soares
É o protagonista; procura compreender a realidade da sua existência.
Busca a descoberta da pessoa que há em cada um de nós e a revelação de si a si próprio.
Vive atormentado, sente a morte como “uma violência estúpida”.
Apesar da ligação a Sofia, Alberto, como existencialista, não crê no poder da paixão, mas considera o homem responsável pela sua paixão.
Falta-lhe a fé a que se refere o irmão Tomás, que não se preocupa com a vida nem com a morte pois vive bem no meio de ambas. Desafia Deus.
É o herói trágico da obra, um herói nobre, que desafia os deuses e a ordem instituída e que se dirige para um destino que lhe é fatal mas alheio a esse facto.
Existem indícios em Aparição que “preparam” este desfecho:
v a caracterização física de Sofia, sempre ligada à sensualidade pecaminosa, à sedução da carne, diabólica;
v a caracterização psicológica de Sofia, desafiando regras sociais estabelecidas e obedecendo apenas ao seu próprio código de comportamento;
v o modo como Alberto perturba os restantes ao assumir a morte de Deus e a necessidade de que o homem assuma a sua vida, a sua morte e a verdade da sua condição humana;
v Carolino interpreta de forma perversa a mensagem de Alberto ao defender que a divindade do homem reside no seu poder para destruir a vida.
Sofia
Criança difícil, desafia tudo e todos, as convenções sociais e morais e a própria vida, tentando o suicídio.
Leva até ao fim as consequências de estar no mundo. Prefere o absoluto da destruição – o episódio em que destrói todos os brinquedos porque a irmã parte uma perna a um.
É uma personagem lunar, noturna. Tudo nela é enigma, com comportamentos estranhos.
Alberto começa por conhecer Sofia através do pai, Dr. Moura. (Cap. 3)
Começa a dar-lhe lições de latim.
Têm uma relação íntima que traz a A.S. a quase marginalização não só na sociedade mas também no liceu.
A.S. vai de férias e quando regressa, sabe da relação entre Sofia e Carolino que, louco de ciúmes, tenta matar Alberto mas acaba por assassinar Sofia (Cap. 25) por considerá-la, enorme, grandiosa. Sofia pagou com a vida a sua ousadia.
O assassínio de Sofia é a Katastrophé (da tragédia grega) em Aparição e encontra-se inserida na ação principal.
Desafia a sociedade em que está inserida (a vida e mesmo a própria morte).

Ana
É a filha mais velha do Dr. Moura.
Aos olhos de Alberto, ela é grande. Parece aceitá-lo e compreendê-lo mas resiste à sua notícia “messiânica”. Alberto sente-se seduzido pela sua sabedoria.
É casada com Alfredo Cerqueira, homem honesto, prático e grosseiro.
Ana leu dois livros de A.S. e sente-se atraída pelas ideias existencialistas neles existentes. As verdades de um e de outro cruzam-se.
Angústia em Ana: face à fragilidade, as limitações da condição humana são para Ana o resultado de uma experiência, algo que não lhe permite ter filhos e a frustra. Sente-se infeliz e também humilhada pois o marido vê-a como um objeto que “possui” (Cap. 9) e só se preocupa com a herdade e não cuida da sua aparência nem da forma como fala. Todo o seu amor maternal é transferido para Cristina. Quando esta morre num desastre, o seu comportamento altera-se.
Recupera a paz de espírito adotando os dois filhos do Bailote.

Cristina
Tem 7 anos. Admirável, linda, toca piano na perfeição. É só arte. Não questiona a vida, revelando com a sua música um mundo harmonioso.
Inocente, é uma aparição maravilhosa e a sua música tem o dom da revelação; pura, parece não pertencer ao mundo terreno.
Através da morte, vai permitir a A.S. a exaltação integral da condição humana, “ter a evidência ácida do milagre do que sou, de como infinitamente é necessário que eu esteja vivo, e ver depois em fulgor que tenho de morrer.”

Carolino ou Bexiguinha
É importante nesta ação pois é ele quem assassina Sofia.
É fascinado pela morte como criação. Desafia Deus, tal como Alberto.



quarta-feira, 28 de março de 2018

"APARIÇÃO", VERGÍLIO FERREIRA - O NARRADOR




Em Aparição, o narrador tem uma dupla função:
- apresenta o mundo diegético (da história);
- é o protagonista da história que narra (os textos encontram-se escritos na 1ª pessoa; o narrador é autodiegético).
Ao utilizar a primeira pessoa anula a distância entre o narrador e o eu narrado. Apresenta uma problemática e tem uma missão a cumprir: a de dar conta aos outros da sua descoberta do mistério do eu, da condição mortal do homem e do seu apelo de infinito, da sua miséria e da sua grandeza, num mundo vazio de divindade.
O narratário tem estabelecido um pacto com o narrador. Este último recorda-nos a sua função de contar a história e do ato de escrever, como uma atitude de reflexão da narrativa sobre si mesmo o que equivale a dizer:
Aspeto inovador de Vergílio Ferreira – interrompe a história para refletir sobre o próprio ato de escrever e que é também uma característica da narrativa contemporânea.


segunda-feira, 26 de março de 2018

"APARIÇÃO", VERGÍLIO FERREIRA - ASPETOS GERAIS





Aparição, romance de Vergílio Ferreira, 1959.
É um romance de personagem. Tem dois objetivos: contar histórias e apresentar as reflexões que o autor vai expondo a propósito dele próprio, de outras personagens ou do mundo em geral.
Palavras do autor: este romance foi “a necessidade de ele se redescobrir e descobrir os limites da sua condição humana”.
O romance foi escrito na 1ª pessoa que discute teorias filosóficas relacionadas com o existencialismo.
Considere-se a divisão da obra em 3 partes:
1 – Prólogo;
2 – A história em si ao longo de 25 capítulos;
3 – Epílogo.
No prólogo, Alberto Soares, protagonista, encontra-se no presente e começa a refletir sobre a sua vida. (início do Cap. I, começa a contar-nos a história da sua vida – 1ª analepse).
Alberto conta a sua estadia em Évora e como durante essa época, igual a um ano letivo, ficou a lecionar nessa terra e conheceu pessoas com quem discutiu e aprofundou as suas teorias relacionadas com a existência, a procura da sua pessoa e da sua aparição.
Criou uma relação com Sofia, uma mulher dominadora e que deixou de lhe dar importância para se dedicar ao Bexiguinha, cujas ideias eram muito semelhantes às de Alberto.
Criou uma relação amor/ódio com Ana, irmã de Sofia. Discutiam sobre as teorias existenciais do autor, que ela valorizava ou desvalorizava ao mesmo tempo a lógica deste.
Ao longo da vida não se conhece se Ana gosta ou desgosta de Alberto. A razão é que o convida para a acompanhar e mostra-se contra as suas ideias.
No romance, Alberto questiona-se se certos personagens estão por ou contra ele, como Ana.
Uma outra personagem, irmã de Ana e de Sofia, é Cristina.
Cristina é uma criança, toca piano de forma admirável o que acalmava Alberto.

2ª analepse – o autor recorda-se de um passado ainda mais distante, relacionado com a família. Relata-nos como surgiram estas teorias filosóficas, sendo as mais importantes a morte do pai e a do seu cão.
Morte de outras personagens:
- Bailote – suicidou-se por ter perdido a fonte do seu rendimento, as suas mãos de semeador;
- Cristina – morre pois é perfeita de mais para viver neste mundo;
- Sofia – morre como castigo pelo mal que fizera aos outros;
- Bexiguinha + Ana – não conseguiram igualar os seus seres e desistiram [uma morte psicológica];

- Alberto – o herói que alcançou a sua aparição; é um alter-ego de Vergílio Ferreira pois se o autor escreveu sobre estas teorias, é porque também ele pensou nelas.
Ele é uma personagem que ocupa toda a obra e à volta da qual tudo gira.
Há um eu narrador, distanciado dos acontecimentos da narrativa, e um narrador-personagem auto e homodiegético, à volta do qual se movem as outras personagens. O eu narrador distante move-se num tempo posterior aos acontecimentos narrados.
Alberto Soares é simultaneamente a personagem central e o narrador do que lhe aconteceu em dois planos distintos, na sua aldeia e na cidade de Évora.
Existe uma ação principal que abrange a maior parte dos factos narrados, ligados a uma trágica revelação ou Aparição, no espaço citadino, e existe igualmente uma ação secundária, ligada ao espaço rural, que completa a ação principal (morte do pai).